sexta-feira, 9 de abril de 2010

A morte do Sr. Ninguém

— Olá!
— Olá!?!... Mas... Quem é você?
— Ah!, desculpe-me, esquecei das apresentações. Sou o Crime! E, se não me engano, o senhor é o Sr. Ninguém, correto?
— Correto, sou o Sr. Ninguém! Mas seu nome é Crime? Que nome estranho!
— Sim, Crime, e não é um nome estranho. É um nome tão comum nos dias de hoje como o seu, Sr. Ninguém!
— Humm... está bem... E em que posso ajudá-lo, Sr. Crime?
— Eu vim especificamente tratar de negócios. Negócios com o senhor!
— Puxa! Sério? Não me lembro de ter negócios pendentes com o senhor, Sr. Crime.
— Ah!, mas tem. Todos têm negócios comigo! Embora não pareça, e certamente o senhor nem imagine o motivo, eu tenho assuntos a tratar com o senhor.
— Muito bem, se o senhor diz que tem negócios a tratar comigo, vejamos então quais são eles!
— Ótimo, vamos a eles. Passe seu dinheiro, documentos, relógio e corrente imediatamente!
— Ei, mas que história é essa?
— Como assim, que história é essa? São os negócios pendentes, oras! Vamos, vamos! Não tenho tempo a perder, isso é um assalto e tenho outros clientes para visitar.
— Assalto!?!? Pensei que você tivesse negócios a tratar comigo, e isso não é negócio a ser tratado!
— Claro que é, Sr. Ninguém. Este é meu trabalho e posso garantir que estou dentro da Lei, aliás, só trabalho dentro da Lei, já que é um trabalho perigoso, por vezes violento e sem garantia de remuneração. É uma profissão de risco!
— Mas quanta bobagem! Desde quando assaltar pessoas passou a ser um trabalho honesto?
— A partir do momento que a Miséria e a Fome me obrigaram! Desculpe-me, Sr. Ninguém, mas é assim que funciona. Eu preciso ter o meu lucro para poder sobreviver, portanto dependo de clientes como o senhor e, de preferência, que colaborem comigo. Mas vamos deixar de papo furado e passe logo esta carteira cheia, vamos!
— Ora, seu atrevido, tire suas mãos da minha corrente! E devolva minha carteira, safado!

Sons de briga, um disparo, um grito, um homem correndo, um corpo ao chão...

— Mas que pilantra, roubou minha carteira e quase consegue levar meu relógio e...
— Oi!
— Oi... Ei, quem é você?
— Eu sou a Morte!
— Cruzes! Deixe de brincadeira, não tenho tempo para isso, preciso chamar a polícia, acabaram de roubar minha carteira, sabe?
— Sei, é por isso que vim. Foi rápida, não foi?
— O que, o assalto?
— Não, sua morte!
— Ah, claro, minha morte... O QUÊ? MINHA MORTE?!?!
— Sim, você morreu!
— QUANDO?
— Quando reagiu. Enfim, chegou sua hora. Bem que a Sra. Fatalidade me avisou... Ela disse que essa esquina precisaria de meus serviços a qualquer momento, por isso fiquei conversando um pouquinho ali na praça, junto com a Fome, a Miséria e a Violência. Ó, elas são umas gracinhas... Você não acha?
— Não, não acho! Além disso, eu não posso estar morto, não posso morrer, tenho muitas coisas a fazer... sabe, eu... eu... eu tenho família, trabalho, contas a pagar, tenho...
— Não se aflija, Sr. Ninguém, essas coisas podem acontecer com qualquer um.
— NÃÃããoooo.... Eu não quero morrer, quero continuar minha vidinha pacata!
— Calma... calma... Dê sua mão... Isso... Assim... Venha, vamos embora, seu tempo acabou!
— Mas por que eu Dona Morte? Por que a senhora não foi buscar um político, um ricasso ou um outro famoso qualquer?
— Exatamente por você ser quem é!
— E quem eu sou?
— Ninguém, ora! Hoje as coisas são assim, muito rápidas. É por isso eu não tenho tempo de escolher, além disso, há muita concorrência e outras Mortes podem surgir a qualquer momento e...

Uma freada brusca, um som de batida, um corpo atirado ao chão.

— Ah não! Olhe lá! Puxa, que azar...
— O que foi, Dona Morte?
— Ali, ali na esquina, veja! O Sr. Acidente atropelou alguém. Olha aí, não te avisei? Fiquei conversando com o senhor e outra Morte foi buscá-lo. Assim não dá! Como eu vou dar continuidade ao meu trabalho? É muita concorrência e isso é desleal!
— HAhaHAhaHA!!!!
— Hei! Isso não é engraçado, dessa forma meus números caem nas estatísticas!
— Desculpe, mas não estou rindo da senhora, estou rindo da situação, é irônica!
— Qual situação? Que ironia?
— O acidente! Aconteceu com o mesmo Crime que me assaltou!
— Puxa, não é que você tem razão? Que coincidência, não? Realmente, há um toque de ironia na situação.
— É mesmo... A vida é cheia de surpresas... Quando a gente menos espera, vem a Morte e nos leva...
— Corretíssimo! Sou pontual em meu serviço. Quando a hora chega, estou pronta para levar seja quem for. Está pronto? Vamos embora?
— Sim, estou. Vamos!

Assim que a Morte levou o Sr. Ninguém, alguém na multidão que se formava em torno do acidente lamentava diante do corpo maltrapilho e estirado:

— Coitado, o sujeito estava correndo tanto... Devia estar atrasado para o trabalho!

Do outro lado, enquanto a polícia recolhia o corpo do Sr. Ninguém, alguém comentou:

— Ah, isso foi acerto de contas. Certeza! Olha a cara desse Zé Ninguém. Ele não me engana, mesmo com essa roupinha bacana. Ta na cara que não passava de um safado!

Por Rafael Franzin

4 comentários:

  1. Passei Por Aqui Admirei Tudo Que Vi
    Apreciei Tudo Que Li, Não Me Contive
    E Uma Imagem Levei, Para Usar Em Um
    De Meus Versos, Que Com Sua Permissão
    Postarei Em Breve, Em Meu Blog: http://pequenapoetisavana.blogspot.com/

    Grata, Pequena Poetisa-Vana Fraga

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  2. Gostei muito dessa crônica ela nos mostra como somos todos iguais diante da vida e da morte.
    Todos os pensamentos são distintos, mas somos todos frágeis. Uns têm muitos, outros têm pouco, porém todos são iguais. Acredito que por detrás das pessoas mais complicadas há uma criança que precisa de atenção e carinho.
    Parabéns!
    Deus te abençoe.

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  3. haushaushaus achei muito engraçado

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